“VINDE A MIM VÓS QUE ESTAIS CANSADOS…”


Absolutamente que não seria novidade para ninguém caso alguém chegasse falando que estamos vivendo em pleno tempo da correria. Mas, várias vezes são tantas as pessoas que ainda alçam a voz, cobertas de razão, para fazerem chegar ao maior número possível de ouvidos, suas constatações de que a vida está passando muito rápido e que parece que não há tempo necessário para fazer tudo aquilo que seria necessário fazer “do nascer ao por do sol” e, quantas e quantas vezes, ainda entrando pela noite adentro, inclusive, “varando a madrugada”.
Descanso? Tirar uns dias de férias? Fazer uma viagem? Não são poucas as pessoas que nunca fizeram uso destes quesitos que deveriam ser normais e naturais para toda e qualquer pessoa, quanto mais para quem trabalha “de sol a sol”, para ganhar o seu “pão de cada dia”. O mundo moderno que fez de tudo até tirar o último minuto de uma pessoa que não tem mais tempo para nada, até inventou um termo chique, prá não dizer nefasto, para classificar as pessoas que foram envolvidas e ficaram literalmente viciadas em trabalho “work-a-holic”. São os viciados em trabalho que não conseguem mais se desligar. Como dizemos são 24h trabalho.
Um minuto tornou-se muito tempo. Pode ser que até mesmo um segundo (por exemplo, na Fórmula 1), defina muitas coisas e muito dinheiro que ganha-se ou perde-se. O interessante, para não dizer catastrófico, é que mesmo estando longe do mundo dos segundos, eles parecem nos atingir em cheio, pois já foi colocado nas nossas cabeças que “não há tempo a perder”. Ou então aquela terrível e demoníaca frase do mundo capitalista “tempo é dinheiro”. Por causa disso, a refeição, para muitos, é feita em frente ao computador ou à televisão (uma mão segura o garfo e a outra o controle remoto ou procura as letras no teclado, tentando ainda segurar o mouse), com todos os telefones possíveis do lado ou ainda jornais e revistas. Quantas são as crianças que já aprendem, desde o berço ou o carrinho de bebê, a não serem afastadas da frente da televisão nem sequer para mamarem ou tomarem a sua sopinha.
O tempo sumiu. Desapareceram as oportunidades de um bom bate papo. Desapareceram as idas e vindas de uma visita aos amigos e à família? A princípio poderíamos dizer que seria impensável uma família que mora na mesma cidade – estamos falando das cidades pequenas do nosso interior – onde os seus membros passam a semana inteira sem se verem. Por que? Simplesmente porque não têm tempo.
Já percebeu que falta tempo até para uma boa oração ou celebração? Até hoje ninguém foi capaz de me dizer porque uma celebração tem que durar “X” minutos e nem um a mais. Quando não é o padre, são os leigos a reclamarem que está demorando demais. Quantas celebrações começam bem depois do previsto porque o presidente da celebração não “teve tempo” de chegar na hora ou a equipe de celebração não “teve tempo” de preparar tudo ao seu tempo. Um belo evangelho, mas ao lado já está indicado o “mais breve”, porque o outro é “muito grande” e vai demorar demais. Demorar demais? Estamos falando simplesmente da questão que é proclamar a Palavra de Deus, numa Celebração Eucarística. Mas, também para muitos isto não é problema, pois nem todos fazem a homilia (pregação), a partir da Palavra de Deus, pois normalmente têm outras coisas mais importantes para dizerem ou então belas “historinhas” para contarem. Nessa hora, espontaneamente, vem a pergunta “meu Deus do céu, onde vamos parar desse jeito?”.
O pior é que, infelizmente, sabemos muito bem onde vamos parar ou quem sabe onde já paramos. A um cansaço que, aos poucos, vai nos consumindo e tirando o nosso ânimo inclusive para os nossos momentos de orações e celebrações, preciosos encontros com o nosso Deus que se revela como comunhão de vida e de amor e que tem “todo o tempo do mundo” reservado “todinho” para nós: “a Ele o Alfa e o Ômega, o tempo e a eternidade”. Quantos chegam dizendo que “não tenho mais tempo nem para rezar”. Ou então, com e pela correria do dia a dia, “se esqueceram de rezar”.
“E a vida? Diga lá meu irmão. É bonita. É bonita. E é bonita. Viver...”. Esta era a grande questão do poeta. Viver... Mas, nós que somos cristãos. Nós temos e não podemos esquecer que temos um diferencial que é justamente a Palavra do nosso Mestre Jesus que nos orienta. Jesus não somente olha para os que “estão casados e abatidos como ovelhas que não têm pastor”. A estes Ele faz uma proposta clara, inconfundível: “vinde para mim”. Atenção à palavra de Jesus. Quem está cansado, desanimado, oprimido deve vir “para mim”, “na minha direção de mim” (claro que exclui a possibilidade de andar na direção de outro). Para aquelas pessoas que conseguem andar “em direção“ a Ele, o que encontrarão já está muito claro: “eu vos darei descanso, refresco”. É escutar Jesus dizendo “chega aqui. Vem prá cá meu irmão e minha irmã porque comigo não tem essa de cansaço. Eu é que vou ajudar você a descansar. Mas, não pode ficar de longe. Chega mais...”.
Como é interessante que, a quase dois mil anos, tantas pessoas aceitaram o convite de Jesus e aproximaram-se dele: pecadores, pobres, doentes, cegos, mancos, famintos, publicanos, endemoniados. Por que aceitaram este convite de Jesus? Resposta rápida: porque Ele é o Filho de Deus. Pergunta rápida: eles tinham consciência disso? Tenho minhas sinceras dúvidas. Para mim, eles aceitaram porque viram em Jesus algo e alguém diferente, mesmo que não tivessem consciência da sua filiação divina, como temos hoje. O diferente era um verdadeiro segredo que estas pessoas foram capazes de descobrir, ou seja, “eu vos darei descanso, refresco. Eu vos aliviarei”. Através das suas ações Jesus vai, aos poucos, revelando o segredo da sua divindade (principalmente em Marcos).
Mas, por que justamente Jesus de Nazaré e não os dirigentes religiosos do seu tempo? Porque para estes, este povo que ia até Jesus – pobres, famintos, cegos, endemoniados – atrapalhavam e até impediam a chegada do Reino de Deus. Vem Jesus de Nazaré e, inclusive, reza “eu te louvo, ó Pai, Senhor do céu e da terra, porque revelastes estas coisas aos pequeninos”. No nosso linguajar comum, esta oração de Jesus é o “fim do mundo” para os dirigentes religiosos do seu tempo. Mas, o verdadeiro “fim do mundo” é justamente quem está à frente de um “sistema religioso” que não conseguir dizer uma palavra de conforto e de acolhida a quem foi tomado por um sistema que é maléfico e demoníaco e que destrói, rouba o que possuem (em nome da religião e da Palavra), até roubar a própria vida, como fizeram com o próprio Jesus. E o que é pior é que, quem devia defender, pactua com toda essa situação e se torna mudo para não “ofender” a ninguém. Como cantávamos, em outros tempos, “quem devia denunciar, emudeceu. Quem devia anunciar, emudeceu. Quem devia censurar, abençoou”...
Como para nós o que continuar a nos guiar é sempre a Palavra de Deus e não opiniões de A ou de B, esta Palavra continua a ressoar em nossos ouvidos “vinde, mas na minha direção”. Não posso andar noutra direção? Não. Por que? Você é cristão e cristão anda somente na direção de Jesus Cristo. Outra direção vai conduzir ao peso e ao jugo (canga usada pelos bois). Só Jesus pode propor a leveza, a doçura, a suavidade e a ternura e, isto sim é repouso e refresco para a vida. Isto sim nos faz ser e sentir (desculpe-me a expressão), mais gente e não objeto de um mundo cheio de expressões, até bonitas (work-a-holic), mas que apenas escravizam e matam.
Mas, será possível aproximar-se de Jesus? Será possível descobrir a sua leveza e a sua ternura? A resposta é limpa e seca: claro que sim. Mas, de onde vem tanta certeza? Da própria Palavra de Deus que diz: “Vós estais sob o domínio do Espírito de Deus que habita em vós” (Rm 8,9). E atenção à palavra “habita”. Habitar é morar, viver com, morar dentro e não simplesmente na vizinhança. O Espírito mora dentro de nós. Da nossa parte basta abrir-se reconhecendo “este” que mora dentro, que fez morada em nosso ser.
Bom, caso você tenha encontrado “tempo” para ler este artigo até aqui, isto significa que ainda é capaz de encontrar “tempo” na sua vida e que não se tornou um “work-a-holic”, ou algo do gênero. O convite é: de vez em quando (pelo menos) desligue a TV, o som, o computador e tire tempo para a sua família, visite as pessoas, gaste tempo com um bom bate papo informal e desinteressado. Reze sem ter tempo marcado para terminar a sua oração. Participe deste misterioso tempo de Deus em sua vida.
Quando sentir cansaço não se desespere. Simplesmente deixe que Ele te fale ao pé do ouvido “venha prá cá, pois eu vou te dar descanso”. Bem aventuradas aquelas pessoas que, no dia a dia, encontram tempo para gastar bem o seu tempo e, além dos trabalhos, conseguem fazer festa, renovar suas forças e caminham ao encontro de Jesus de Nazaré que continua chamando: “Vinde em minha direção e eu vos darei repouso...”.
Pe. Tadeu do Rosário Pereira - Arquidiocese de Diamantina

Fonte: www.arquidiamantina.org.br

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