Ano da Paz

Há um ano, quase completo tivemos a graça de iniciar em toda a igreja, no Brasil, o Ano da Paz, de janeiro a dezembro de 2015, tendo sempre presente aquela expectativa que muitas coisas pudessem melhorar no decorrer do presente ano, e acredito  que melhorou. Certamente que uma das grandes buscas, necessária para toda a humanidade, é o tesouro da Paz. Quanto a este grande empenho em favor de uma nova ordem que promova efetivamente a justiça e a paz no mundo é uma responsabilidade intransferível de cada ser humano habitante deste planeta. Sobre tal questão, antes de atribuirmos empenho exclusivo a qualquer instância estrutural, sou  obrigado a me situar na conjuntura da ausência suficiente da Paz e me questionar: qual tem sido o meu compromisso concreto em favor dessa riqueza chamada paz? Lembrando que Paz não é só tema celebrativo de um dia no início do ano, mas é um investimento permanente em favor do humanismo e para tanto pressupõe muito sacrifício, perseverança e teimosia. A Paz é oferecida gratuitamente pelo Criador, mas na terra, para ser efetivada, é imprescindível a vontade de conquistá-la através de autênticas relações fraternas. Com clareza de tal importância  a Igreja lançou em todo esse ano de 2015 como o ano dedicado à Paz e simultaneamente o ano dedicado à vida consagrada, que sem sombra de dúvida, não se pode pensar em vida consagrada a Deus independente de uma entrega radical a serviço da Paz mundial.
Fomos agraciados logo no primeiro dia de janeiro, ao recebermos o impulso da mensagem do Santo Padre Francisco, por ocasião da celebração do XLVIII Dia Mundial da Paz. O Papa abordou o seguinte tema:  Já não escravos, mas irmãos. O pensamento do Papa nos remetia e remete a retomarmos a nossa Campanha da Fraternidade de 2014, cujo tema referiu-se ao tráfico humano e dai as diversas formas decorrentes de escravidão. Francisco desenvolveu a sua reflexão literalmente exposta num texto de oito páginas incluindo fonte bibliográfica. A sua mensagem é composta de cinco pontos de relevante significado para uma nova tomada de consciência em nível universal. (A quem interessar, a publicação na íntegra dessa mensagem do Papa Francisco encontra-se no portal do Vaticano: www. vatican.va). Tomo a liberdade de elencar os pontos juntamente com o respectivo resumo central da mensagem do Sumo Pontífice:
1.     À escuta do projeto de Deus para a humanidade: a Revelação Divina na História da Salvação mostra um Criador que nos coloca no mundo como filhos e como irmãos. Portanto, o Deus Pai nos chama a sermos filhos obedientes e para que sejamos obedientes ao Pai é necessário sermos fraternos. Deus nos chama ao amor, à tolerância e ao acolhimento. Deus não nos quer filhos da escravidão, mas filhos da comunhão. A vida em comunidade fraterna deve ser uma vivência de misericórdia e respeito às diferenças humanas. O Deus da Revelação é um Deus da inclusão.
2.   As múltiplas faces da escravatura ontem e hoje: desde os primórdios da história humana a escravidão já era adotada como sujeição do homem pelo homem. Houve períodos em que a escravidão fora instituída, admitida e regulamentada pelo direito. Hoje a consciência é outra e a evolução dos direitos internacionais repudiam e condenam a escravidão tal como era conhecida. Contudo, há outras formas de escravidão sofridas por tantos trabalhadores explorados de seus direitos; por tantos migrantes em situações desumanas; por tantos que são obrigados a se prostituírem; por tantos menores e adultos que são traficados por diversos motivos.
3.   Algumas causas profundas da escravatura: na raiz da escravatura está a concepção da pessoa humana como objeto, assim a pessoa, é desprovida de dignidade, passa a ser tratada como meio e não como fim. Outras causas, além da rejeição da humanidade no outro,  concorrem para explicar as formas atuais de escravatura. Entre elas, penso na pobreza, no subdesenvolvimento e na exclusão. Lembremos na falta de acesso à educação, oportunidades de emprego, corrupção, conflitos armados, as violências, a criminalidade e o terrorismo. Causas que causam muita dor, sofrimento  e injustiça a uma multidão da humanidade.
4.   Um compromisso comum para vencer a escravatura: a realidade trágica das diversas causas e formas de escravatura é acompanhada com a indiferença geral. Infelizmente, sem poder negar esta verdade, felizmente, o esforço de muitas entidades religiosas, sobretudo femininas, silenciosamente têm feito um trabalho de resgate às tantas vítimas da escravatura. Este trabalho imenso, que requer coragem, paciência e perseverança, merece o aplauso da Igreja inteira e da sociedade. Porém, é um compromisso comum, também por parte dos Estados, das organizações intergovernamentais, das empresas e das organizações da sociedade civil.
5.    Globalizar a fraternidade, não a escravidão nem a indiferença: perguntemo-nos, enquanto comunidade e indivíduo, como nos sentimos interpelados quando, na vida quotidiana, nos encontramos ou lidamos com pessoas que poderiam ser vítimas do tráficos de seres humanos ou, quando temos de comprar, se escolhemos produtos que poderiam razoavelmente resultar da exploração de outras pessoas. Sabemos que Deus perguntará a cada um de nós: Que fizeste do teu irmão? (cf. Gen 4, 9-10). A globalização da indiferença, que hoje pesa sobre a vida de tantas irmãs e de tantos irmãos, requer de todos nós que nos façamos artífices duma globalização da solidariedade e da fraternidade que possa devolver-lhes a esperança e levá-los a retomar, com coragem, o caminho através dos problemas do nosso tempo e as novas perspectivas que este traz consigo e que Deus coloca nas nossas mãos.
Queridos irmãos e irmãs, o Senhor Bom Deus não nos quer escravos, mas amigos (cf. Jo 15,15). Que este tempo, estendido à toda a nossa trajetória de cristãos,  como dádiva do  Eterno Criador, ano da Paz e do compromisso de vida consagrada, não deixemo-nos jamais escravizar e esforcemo-nos em libertar os tantos irmãos e irmãs que se escravizaram por se tornarem vítimas das tantas dependências impostas pela força do mal. Uma abençoada paz para todos os homens e mulheres de nossa Diocese de Assis-SP, amados missionários do Evangelho da justiça e da paz.

Em Cristo Jesus,
Paz e Esperança!
Dom José Benedito Simão, bispo de Assis-SP

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