Pilares para a cultura

O Conjunto Arquitetônico Modernista da Pampulha, agora Patrimônio da Humanidade, é mais do que justa homenagem aos belo-horizontinos e à ousadia de Juscelino Kubitschek. Além da alegria experimentada por cada um de nós – com o anúncio da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) -, a merecida distinção inscreve no horizonte de Minas Gerais, particularmente da capital mineira, um importante desafio: reverter essa nova realidade configurada em benefício de toda a cidade e da perenidade de cada uma das obras desse complexo de alta significação arquitetônica, cultural e turística, importante capítulo na história da arquitetura mundial.  Tarefa que desafia especialmente os governantes, operadores e gestores de turismo e todo povo mineiro.
 
O conjunto arquitetônico que colocou Belo Horizonte à  frente de seu tempo, com sua inauguração em 1943, ainda é símbolo da lucidez e ousadia de Juscelino Kubitschek e do talentoso Niemeyer - à época, no início de sua carreira, hoje, reconhecido mundialmente. A medida dessa lucidez e ousadia pode ser avaliada a partir da seguinte imagem: a Pampulha sem o complexo arquitetônico ao seu redor.
 
Isso significa que, em seu tempo, cada governante é desafiado a interpretar e a tratar com clarividência e audácia a realidade na qual se insere como servidor. Não só quanto ao legado recebido. Por exemplo, no caso da Lagoa da Pampulha, não basta somente cuidar de sua urgente e inteligente despoluição, é preciso ver adiante. É preciso oferecer no seu tempo uma contribuição que assente mais pilares para a cultura. Neste horizonte, conservar e tratar adequadamente o patrimônio que se tem e intuir os novos e exigidos desafios, tecendo uma história que possa assegurar sustentabilidade à vida social, política, cultural e econômica.
 
Os pilares da cultura, em arquitetura, infraestrutura e investimentos não são obras mortas. São forças incidentes na circulação do sangue que move a vida de uma sociedade, gerando economia produtiva e inclusiva, por meio do turismo, uma força de referência que ultrapassa as fronteiras de Minas e do Brasil.  É também o fortalecimento da consciência de “pertença” de um povo. Sem essa consciência, corre-se o risco de  ver as riquezas, naturais, culturais, religiosas, artísticas e populares se dispersarem. Isso se verifica em realidades articuladas por culturas diferentes, numa riqueza tão plural que pode levar a sociedade a se entender repartida, enfraquecendo a sua identidade. A sociedade, assim, se sente impotente para multiplicar as próprias riquezas, torna-se incapaz de produzir cenários de mais justiça e o mais grave: de ser protagonista de sua história. Repete-se, então, o estribilho de que o melhor é o que vem de fora. De que só os outros são capazes de grandes conquistas.  Alimenta-se a lógica do desmanche da própria identidade, perdendo riquezas produzidas e legadas.
 
A alegria do reconhecimento conquistado pelo Complexo Arquitetônico da Pampulha deve se transmutar em ardor guerreiro por novos passos em Minas Gerais. É indispensável o entendimento inteligente de fazer crescer o potencial turístico do Estado, valorizando singularidades. Dentre elas, vale destacar o inexplorado potencial do turismo religioso, tesouro da nossa realidade histórico-cultural. Um exemplo é o Caminho Religioso da Estrada Real (CRER) que liga o Santuário de Nossa Senhora da Piedade, Padroeira de Minas Gerais, ao Santuário Nossa Senhora Aparecida, Padroeira do Brasil. Trajeto tão rico, pela beleza do conjunto paisagístico e arquitetônico, particularmente sacro, como o Caminho de Santiago de Compostela na Espanha. Esse é um dos projetos com potencial turístico ainda adormecido, esperando ações mais efetivas e entendimentos governamentais e empresariais para tratamento competente para que, de fato, beneficie os mineiros.
 
Não menos importante é o desafio de colocar no coração de cada mineiro a Padroeira de Minas Gerais – Nossa Senhora da Piedade. E que cada mineiro se sinta especial guardião da Serra da Piedade, que em breve aspiramos ser reconhecida como patrimônio da humanidade pela sua relevância ambiental, paisagística, histórica e religiosa. Um patrimônio que merece mais empenho dos representantes do povo, a começar pela duplicação da Rodovia BR-381, lamentavelmente conhecida por “rodovia da morte”.
 
Patrimônio que traz a fé e a religiosidade enraizada na cultura e na vida do povo mineiro. Um exemplo é a Igreja de São Francisco de Assis, símbolo e coração do Complexo Arquitetônico da Pampulha, a primeira projetada por Niemeyer. Bem perto está a Catedral Cristo Rei, a última projetada por esse grande arquiteto. Aí está a indicação do nascimento do Circuito Niemeyer, unindo a Pampulha, a Catedral Cristo Rei e a Cidade Administrativa, pela Avenida Pedro I, passando pelo final da Av. Cristiano Machado e seguindo pela MG-10. Trecho de quatro quilômetros que merece ser reconhecido como uma grande avenida com o nome de São João Paulo II.  É hora de novas audácias e novos passos pelo bem de Minas e dos mineiros.



Dom Walmor Oliveira de Azevedo
O Arcebispo Metropolitano de Belo Horizonte, Dom Walmor Oliveira de Azevedo, é doutor em Teologia Bíblica pela Pontifícia Universidade Gregoriana, em Roma (Itália) e mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma (Itália). Membro da Congregação do Vaticano para a Doutrina da Fé. Dom Walmor presidiu a Comissão para Doutrina da Fé da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), durante os exercícios de 2003 a 2007 e de 2007 a 2011. Também exerceu a presidência do Regional Leste II da CNBB - Minas Gerais e Espírito Santo. É o Ordinário para fiéis do Rito Oriental residentes no Brasil e desprovidos de Ordinário do próprio rito. Autor de numerosos livros e artigos. Membro da Academia Mineira de Letras. Grão-chanceler da PUC-Minas.

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