A Cultura Big Brother


O êxito mercadológico deve-se a um conjunto de fatores. Olhares diversos debruçam-se sobre ele à busca de encontrar-lhe razões que vêm de ramos diferentes do saber. A psicologia de massa conhece segredos de mobilização. A sociologia do conhecimento desvenda as condições sociais. A filosofia e a teologia sondam o profundo do ser humano para captar-lhe os mistérios do coração. Esses olhares convergem para uma última estrutura humana: o desejo. O ser humano está sempre a desejar. Que deseja? Como despertar o desejo? Como alimentá-lo durante certo tempo? Eis os desafios dos sucessos.

A sociedade atual embaralhou dois departamentos que em outros tempos funcionavam em prédios diferentes. As pessoas distinguiam muito bem o que pertencia ao mundo público ou ao privado, à rua ou à casa, à vida profissional ou à doméstica. Na publicidade, na rua, na profissão as pessoas se comportavam sabendo que seu procedimento caía sob o olhar crítico da opinião geral. E em casa, a liberdade dos indivíduos não podia ser violada por ninguém de fora.

Por duas vias aconteceu uma destruição dessa divisão de terrenos existenciais. Nos regimes militares e ditatoriais, as forças da repressão violaram escandalosamente a privaticidade das pessoas, seja por invasões arbitrárias de domícilio seja pela via da espionagem com os famigerados grampos. Doença que até hoje grassa em setores da sociedade. Mas a inversão maior veio por força da mídia. Esta joga na praça o que se faz na alcova. É nesse veio em que se situam o programa Big Brother e a exploração na imprensa de escândalos morais cometidos por pessoas na intimidade. Foi o caso do Presidente Clinton que viu a vida privada lançada na Internet com fotos e comentários.

Essa perda dos limites entre mundo privado e público vem açulando a curiosidade crescente pela vida íntima, sobretudo afetivo-sexual das pessoas. A mídia não se acanha em lançá-la nas telas da comunicação para satisfazer a doença voyeurista da sociedade moderna.

Explora-se o lado mórbido da psicologia humana que se deleita em ver as intimidades sem ser vista e identificada. Milhões de telespectadores deliciam-se em contemplar cenas que normalmente lhes escapam do visual, sem nenhum risco de vergonha ou de perda de prestígio. Escondem-se no anonimato da massa escondida por trás do televisor. Soma-se outro fator enfermiço de exibicionismo por parte dos participantes do jogo de intimidades que se expõem despudoradamente a qualquer olhar curioso.

Há um jogo de ingredientes psicopatológicos no gosto desse programa que refletem o estado doentio da sociedade. Faz-nos pensar nos tempos antecedentes ao desmoronar-se do império romano quando as pessoas se entregavam a orgias, como nos descreve São Paulo na epístola aos romanos.

Talvez vivamos um momento de trabalhar a interioridade psíquica, sem moralismos nem condenações, mas serenamente em busca de escolher programas sadios e culturais. É de audiência que a mídia vive. Se deslocarmos os gostos para outra programação, conseguiremos modificar-lhe o elenco. Não é a mídia a culpada. Ela oferece o alimento que a sociedade pede e deseja. As mudanças virão a partir do telespectador que tem condições de ditar a pauta das emissões.

João Batista Libânio é teólogo jesuíta. Licenciado em Teologia em Frankfurt (Alemanha) e doutorado pela Universidade Gregoriana (Roma). É professor da FAJE (Faculdades Jesuítas), em Belo Horizonte. Publicou mais de noventa livros entre os de autoria própria (36) e em colaboração (56), e centenas de artigos em revistas nacionais e estrangeiras. Internacionalmente reconhecido como um dos teólogos da Libertação.

Fonte: http://www.domtotal.com


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