ANO LITÚRGICO: O MISTÉRIO DE CRISTO


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Iniciemos o nosso percurso em busca de uma compreensão do que é o Ano Litúrgico. Partirmos da pergunta: o que é Ano Litúrgico? O ano litúrgico é solar, santificado pelo mistério pascal de Cristo e estruturado para ser celebrado, mediante o ordenamento da liturgia cristã, em diversos tempos e festas; é o marco temporal no qual se desenvolve o único e fundamental conteúdo celebrativo da Igreja, que é o mistério de Cristo: sua vida, morte e ressurreição, ápice da história da salvação.
O eminente teólogo e liturgista alemão Odo Casel, cuja teologia ecoa na definição conciliar, diz simplesmente que o ano litúrgico é o mistério de Cristo.
O ano litúrgico é uma realidade teológica, e não mera organização temporal da Igreja. É a compreensão e organização cristã do ano solar :o mesmo espaço de tempo, mas que pela fé em Cristo é compreendido como tempo de salvação. Nele, os crentes desenvolvem ciclicamente suas celebrações em memória e em honra de Jesus Cristo.
De acordo com a Sacrosanctum Concilium, a santa madre Igreja considera seu dever celebrar com uma sagrada lembrança, em determinados dias durante o ano, a obra salvífica de seu divino Esposo. A cada semana, no dia que ela denominou “do Senhor”, comemora sua ressurreição, que uma vez por ano celebra igualmente, junto com sua santa paixão, na solenidade máxima da Páscoa. Além disso, no decorrerdo ano desenvolve todo o mistério de Cristo [...] e venera os mártires e outros santos.
A liturgia cristã nasceu da páscoa e para celebrar o evento de Cristo, o crucificado-ressuscitado, que nos comunica o Espírito.Porém,no início não se celebrava os mistérios de Cristo, mas o Mistério de Cristo, no primeiro dia da semana. Para os judeus, apenas osétimo dia da semana tinha nome, o shabbat. Os demais dias eram apenas indicados por número. O dia depois do sábado era chamado, simplesmente de o primeiro dia. Para a comunidade cristã, este dia primeiro, na continuidade do sábado, será o dia de reunião para fazer memória da ressurreição de Jesus (Mt 28, 1; Mc 16, 2; Jo 20, 1; Lc 24, 1; Jo 20, 16; At 20, 7), páscoa semanal dos cristãos, na escuta da Palavra e na partilha da Santa Ceia (Lc 24, 13-35). Conforme Apocalipse 1, 10, este primeiro dia será chamado Dia do Senhor ou domingo: “Eu, João (...) encontrava-me na ilha de Patmos, por causa da Palavra de Deus e do Testemunho de Jesus. No dia do Senhor fui movido pelo Espírito...”.
Aos poucos, dentre todos os domingos do ano, um foi merecendo especial atenção das comunidades cristãs, aquele que coincidia com o aniversário do próprio dia em que os discípulos tiveram a alegre experiência do seu primeiro encontro com o Ressuscitado. Já no segundo século da era cristã, começa a celebra, na noite do sábado para o domingo, a Vigília Pascal, como comemoração anual do Domingo em que Cristo ressuscitou. Até o final do século III, a Páscoa era a única festa anual da Igreja, celebra com solene vigília, preparada por um tempo de jejuns e prolongada por 50 dias.
Esta Vigília, muito cedo, foi transformada em vigília batismal. Nela eram batizados os adultos que se haviam preparados no decurso do tempo do catecumenato.Assim,os cristãos foram tomando consciência de que a Vigília pascal, ou a páscoa anual, não era apenas a comemoração da Páscoa de Cristo Jesus, mas também da páscoa dos cristãos. É a páscoa dos cristãos. É a páscoa Cristo-Cabeça e dos cristãos, os seus membros.
A Páscoa anual foi adquirindo no decorrer do ano a preeminência, e foi a primeira festa que gerou em torno de si um “tempo” celebrativo nahistória. Trata-se do tríduo sagrado da morte, sepultamento e ressurreição de Cristo, celebrado respectivamente na Sexta-feira Santa, Sábado Santo e Domingo de Páscoa, com a grande Vigília. De acordo com os primeiros testemunhos históricos relatam um jejum de dois ou três dias que culminava em uma vigília noturna. Portanto, a Páscoa se prolongava pelos cinquenta dias de Pentecostes.
A celebração anual da morte e ressurreição de Jesus Cristo foi –se consolidando como a principal festa do ano litúrgico. A vigília pascal é “a mãe de todas as santas vigílias”, como a chamou Santo Agostinho no século V. A evolução subsequente estendeu o tríduo a toda a Semana Santa; a Vigília, à Oitava da Páscoa e ao Tempo Pascal ou Tempo de Pentecostes; e a preparação a todo o ciclo, ao longo tempo da Quaresma.
A Semana Santa, com um ciclo que recorda cada um dos momentos históricos da paixão, morte e ressurreição de Cristo, foi testificada pela primeira vez pela peregrina Egéria para a cidade de Jerusalém, em fins do século IV.
Egéria, junto com são Jerônimo, é também testemunha da quaresma, que é conhecida com esse nome (quadragésima) desde o século IV, fazendo referência ao número quarenta, de fortes reminiscências bíblicas. O jejum original de dois ou três dias com que se preparava a Páscoa anual foi-se estendo pouco a pouco até chegar aos quarenta dias. A celebração do batismo na vigília pascal e a reconciliação dos penitentes influenciaram na ampliação da Páscoa.
Após a Páscoa desenvolveu-se também desde o início o tempo pascal que culminava na festa da irrupção do Espírito Santo. A liturgia israelita oferecia o antecedente da festa de Pentecostes ou das Semanas, que era celebrada cinquenta dias depois da Páscoa judaica. (Páscoa judaica?) Esse antecedente judaico e os relatos neotestamentários da Ascensão e da vinda do Espírito constituíram a base sobre o qual se assentou o tempo de cinquenta dias que passou a ser conhecido como tempo pascal ou tempo de Pentecostes.
No século IV, apareceram em Roma a festa de Natal e a da Epifania. A primeira, festa tipicamente romana, fixou-se no dia 25 de dezembro, provavelmente para contrapor, com a festa do nascimento de Cristo – “sol que nasce do alto” – (Lc 1, 78), a festa pagã do Natalissolisinvisti, que era celebrada no dia do solstício de inverno, no hemisfério norte. No século VI, conforme a festa foi ganhando importância, apareceu uma vigília de Natal. E foi ocupando paulatinamente o segundo lugar entre as celebrações cristãs do ano litúrgico, depois da Páscoa.
O Advento, tempo de preparação para a festa de Natal, é próprio da liturgia ocidental. Houve diversas durações (entre quatro e seis semanas) até o número de quatro domingos que hoje temos fixado a partir dos séculos VIII-IX. No entanto, as liturgias orientais não possuem um tempo especial de preparação para a Epifania.
Ao longo da história, o tempo que fica de fora dos dois grandes ciclos da Páscoa e do Natal recebeu vários nomes: cotidiano, tempo depois da Epifania, tempo depois de Pentecostes, e, com a reforma do Vaticano II, tempo comum ou “durante o ano”.
Trata-se do tempo mais primitivo do ano litúrgico, uma vez que durante seu curso os domingos são as festas principais. Sendo anterior à diversificação dos tempos e festas, é este tempo que constitui a matriz do ano litúrgico, e não o de Páscoa e o de Natal, que na realidade foram-se formando depois e ganhando espaço paulatinamente no território deste tempo. De início, o tempo comum era indeterminado e aberto em sua temática teológico-litúrgica. No século VI, o tempo comum já possuía uma estrutura clara e unitária, dividida, desde então, em duas partes: uma entre o fim do ciclo natalino e o início da quaresma; e outra, mais longa, entre a festa de Pentecostes e o início do Advento.
Não pretendo concluir o assunto mas propiciar condições de uma melhor compreensão dele. Essa análise preliminar será completada posteriormente com os outros artigos a serem escrito. O ano litúrgico é um itinerário a ser vivido por todos nós.

Jaciel Dias de Andrade
Seminarista do 1° ano de Teologia
Membro da Equipe Diocesana de Liturgia

Bibliografia Básica
BECKHAUSER, Alberto. Viver o ano litúrgico: reflexões para os domingos e solenidades. Petrópolis, RJ: Vozes, 2003.
Manual de Liturgia, CELAM, vol I: A celebração do mistério pascal – Introdução à celebração litúrgica. Trad.: Maria Stela Gonçalves. SP: Paulus 2004.
Manual de Liturgia, CELAM, vol. IV: a celebração do mistério pascal: outras expressões celebrativas do mistério Pascal e a liturgia na vida da Igreja. Trad. Herman HebertWatzlawich. SP: Paulus, 2007.

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