Dilatar o coração

O Coração de Jesus era e é um coração grandioso capaz de amar a todos e a cada um. Há um texto muito sugestivo de Chiara Lubich que fala da castidade como “dilatar o coração segundo a medida do coração de Jesus”.
Fazendo assim, a pessoa empenha-se em amar cada irmão “como Jesus o ama”. A isto a autora chama de “castidade de Deus”. Escolhendo o celibato por ter sentido o grande amor de Cristo por ele, o fiel cristão esforça-se por viver o amor à maneira e segundo a medida de Cristo. Para ele, o amor a Cristo e aos irmãos constituem um mesmo e único amor. E trata-se sempre de amar por Jesus, por uma graça que vem Dele. É um amor a todos, universal, mas vivido na doação um a um, isto é, àquele que encontro, que se cruza comigo, que passa pela minha vida. Está aqui a originalidade do amor na pessoa celibatária, que é diferente, portanto, do amor conjugal. Este passa sempre pelas expressões humanas da sexualidade e da ternura.
A doação livre de si mesmo ao outro, fielmente, como Jesus ama, é que torna o amor puro e casto, tanto na pessoa casada como na celibatária. Na primeira, as expressões físicas do amor não o degradam; na segunda, não precisa de tolher o coração nem de reprimir o amor, pois encontrará sempre expressões belas para amar o seu próximo, de forma concreta e sensível. No primeiro caso, o amor une sempre mais quem o vive e estreita os vínculos entre as pessoas. É vivido na doação e acolhimento mútuos. No celibatário, o amor não prende mas liberta, é vivido na generosidade e no desapego, torna a pessoa dom para os outros sem esperar a compensação.
Este amor há de ser também fecundo, gerar vida, não no sentido físico mas na dimensão espiritual. Mediante o amor, o celibato gera a vida de Jesus nas almas que encontra, cria vínculos espirituais com as pessoas e pode mesmo exercer uma paternidade espiritual, fazendo com que tais pessoas se sintam regeneradas, recebendo uma nova vida: a de Deus. Deste modo, enriquece também a humanidade, contribui para o seu crescimento qualitativo, espiritual.
“Bem-aventurados os puros de coração porque verão a Deus” (Mt 5,8). O celibatário que assume a sua vocação livremente e a vive fielmente numa doação incondicional a Deus, no amor e no serviço generoso aos irmãos, experimenta realmente a felicidade e “vê” verdadeiramente Deus na sua vida. Deixou tudo pelo Senhor, e nada lhe falta. Renunciou a constituir uma família, e vive rodeado de irmãos e irmãs, de filhos e filhas, numa grande família espiritual reunida no amor de Cristo.
Há outro fenômeno na nossa sociedade que contribui para dificultar o reconhecimento do valor do celibato consagrado: o alastrar do número de pessoas que vivem solteiras, por motivos de independência pessoal ou de dedicação a uma causa que apaixona e absorve. O desinteresse pelo casamento pode também ser motivado pela falta de atração pelo outro sexo, por não se acreditar no casamento, por alguma imaturidade ou pelo medo de assumir compromissos definitivos. Nestas motivações, vem também a dificuldade crescente de estabelecer relações afetivas maduras e estáveis, por parte de muitas pessoas.
Podemos distinguir três formas de viver o celibato por parte dos fiéis cristãos:
a) Alguns homens e mulheres estão celibatários porque ainda não descobriram a pessoa certa com quem se casar. Quando o fiel cristão descobre na sua situação de solteiro um apelo de Deus e o aceita de livre vontade, a sua vida celibatária pode tornar-se vocação assumida e valorizada. A pessoa pode, então, como diz o Catecismo da Igreja Católica (CIC), passar a viver “a sua situação no espírito das bem-aventuranças, servindo a Deus e ao próximo de modo exemplar” (nº 1658). Esta forma de vida pode não ser definitiva e a pessoa ser chamada ao matrimônio em qualquer idade.
b) Assumem de forma definitiva o celibato pelo reino dos Céus os que consagram totalmente a sua vida a Deus e, por isso, renunciam ao casamento. Neste caso, a motivação para o celibato é teológica e carismática, é uma graça divina, que a pessoa acolheu e à qual correspondeu livremente com a entrega total de si mesma a Deus.
c) Outra forma é o celibato sacerdotal. Este, em certo sentido, une as duas formas anteriores: por um lado, resulta da circunstância de a pessoa sentir a vocação para o ministério sagrado; por outro, corresponde a uma entrega de si mesma para o serviço do Reino de Deus. Diz o Catecismo: os ministros sagrados “chamados a consagrarem-se totalmente ao Senhor e às ‘suas coisas’, dão-se por inteiro a Deus e aos homens. O celibato é um sinal desta vida nova, para cujo serviço o ministro da Igreja é consagrado; aceito de coração alegre, anuncia de modo radioso o Reino de Deus” (nº. 1579; cf. 1599).

Deixemos que Jesus Cristo dilate os nossos corações, aquecidos por seu amor, pelo seu cuidado, pela sua proteção e provisão, aprendamos verdadeiramente a depender de Deus e a buscar a Sua face, dia após dia.


+ Dom Irineu Roque Scherer
Diocese de Joinville - SC


* Artigo escrito no dia 1/07/16, para o site da diocese de Joinville;  a um dia antes do seu falecimento. 


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