Mais uma vez o
Advento vem ao nosso encontro, e com ele o convite para continuar ampliando
espaços para Deus em nossas vidas. Uma oportunidade para escutar de novo sua
promessa: promessa de nova vida, de um novo ânimo, uma nova esperança.
Podemos acolher
este tempo com a marca da rotina (mais um ano, repetir as mesmas palavras, a
espera, o “vem, Senhor”...); ou mobilizando-nos e abrindo-nos à surpresa de
Deus, que virá a nós como chamado, como possibilidade, como grito para
despertar-nos... Que nos abramos ao novo!
O melhor do Deus
que vem é que Ele se manifesta de maneiras inesperadas: desfaz certezas, rompe
convenções, renova sonhos, não busca brilhos ou ornamentos, aplausos ou adesões
forçadas. Sua chegada não exige cobranças nem condiciona com exigências
desmedidas. A esperança abre passagem por onde menos esperamos. E Deus continua aparecendo onde e quando ninguém espera.
Para “conhecer”
a realidade e a verdade do Advento precisamos de olhos novos e de um coração
novo. É necessário despertar aquela “sensibilidade” escondida e abafada pelo
ativismo e pelo ritmo estressante de nossa vida. No Advento, toda a humanidade é atingida como que por um raio, é
tomada de surpresa. A sua noite, o seu silêncio, o seu sono, a sua
rotina diária... é quebrada por uma novidade absoluta.
O Advento é, por sua própria natureza,
uma surpresa que quebra a solidão das pessoas abandonadas a si mesmas, que irrompe no meio de uma vida sem
sentido e sem direção, que traz luz para os ambientes fechados e frios.
A
“sensibilidade” despertada pelo Advento recupera em nós o sentido da
surpresa, recobra a atitude da expectativa, da novidade, do assombro...
diante da vida. Porque é no traçado das horas e dos dias que Deus prepara
sempre a sua novidade, a sua surpresa, o seu dom natalício. Tal surpresa faz
brotar o entusiasmo para enfrentarmos os desafios da vida, despertando projetos
arquivados, suscitando dinamismo novo no cotidiano pesado, fazendo-nos levantar
de novo e retomar o caminho...
Precisamos
conservar límpidos os olhos do espírito, prontos para perceber a maravilha que
está germinando na nossa vida. O Advento quer reafirmar a possibilidade de uma
alternativa, da chegada de um hóspede inesperado, porque é “boa nova”, é
evangelho. Por isso, o cristão não deve jamais cair na
resignação, mas permanecer em vigília, na expectativa; ele deve ser
também uma surpresa para os outros, com seu gesto de amor imprevisto, com sua
palavra que reanima, com sua visita que consola, com sua atenção para com todos
os que levam uma vida obscura e monótona. Ele olha o mundo com inteligência,
sim, mas também com a simplicidade das pombas; sabe intuir o bem secreto,
também sabe apreciar a poesia da vida e da natureza.
No evangelho de
hoje(1º dom advento), Jesus dá por suposto a existência de situações
desastrosas que nos sacodem, enchendo-nos de ansiedade e preocupação; mas, onde nós só vemos catástrofes, Jesus vê “sinais”. E a condição
para descobri-los é erguer a cabeça, levantar os olhos, ir mais além do
imediato que nos cega e
nos prende em redes de desejos insatisfeitos, em obsessões por conservar modos
de vida que considerávamos definitivos, em temores que embotam nosso coração
impedindo o fluir da vida.
Curvados sobre
nós mesmos, sem horizonte, sem poder olhar de frente, nem entrar em relação de
reciprocidade, carregando durante longo tempo um peso excessivamente grande
(culpa, ressentimento, vergonha), bloqueados, privados de nosso próprio
potencial: este é o drama que nos desumaniza. Nossos corpos encurvados se fazem
texto, linguagem, grito, petição... para serem endireitados. Nesse contexto
ressoa com força o apelo de Jesus: “levantai-vos e erguei a cabeça, porque a
vossa libertação está próxima”.
Nosso corpo fala
mais e com mais veracidade que nossas palavras, o que irradiamos revela algo
sobre nós. E há corpos que em silêncio clamam por cura e cuidado. É preciso interrogar nossos corpos para que eles nos contem suas
histórias guardadas: seus segredos, suas dores, suas vivências.
Devemos ser capazes de lê-los e respeitá-los, para poder devolver-lhes sua
harmonia e sua beleza originais.
É nosso próprio
corpo posto de pé, é nossa própria vida circulando sem ataduras, é a
libertação de nossas forças afetivas, a possibilidade de olhar outros olhos sem
temor e de entrar em comunicação... que nos faz experimentar uma relação nova
com a vida. Aspiração, sede, ansiedade, expectativa, estar de pé: isso é o que
nos invade quando sentimos que se aproxima algo que desejamos de verdade. Pois
isso é o Advento: tempo para os grandes sonhos.
Só os medíocres ou os desesperados
renunciam a sonhar. Pois bem, se o desânimo nos assalta, é
tempo novo para levantar a cabeça, olhar ao longe, bem para fora, bem para
dentro. Deixar que ressoe como uma promessa a Voz de um Deus que atravessa o
tempo para dizer-nos: “aproxima-se vossa libertação”.
Mergulhados naquilo que é margem,
passageiro, na superfície das coisas, perdemos de vista o essencial e caímos na
resignação. Perdida a capacidade de maravilhar-nos,
o Advento esvazia-se e torna-se mais um tempo litúrgico rotineiro.
Poderíamos dizer
que o Advento nos apresenta uma “espiritualidade do despertar”. Se estamos
adormecidos ou anestesiados, sem nos encantar com a maravilha e o desafio de
estarmos vivos, precisamos despertar. Despertar para a gratuidade da vida, para
o chamado à convivência e comunhão, despertar para uma presença misericordiosa.
Jesus vem despertar-nos e ativar nossa esperança.
É preciso saber
olhar, abrir os olhos, ler a vida e despertar-nos para aquilo que acontece à
nossa volta. Se há uma palavra que perpassa todas as tradições religiosas, essa
palavra é “despertar”, não no sentido individualista e moralizante, ou seja,
manter um adequado comportamento moral para, desse modo, alcançar a
salvação.
O chamado original a “despertar”
reveste-se de uma profundidade muito maior, que conecta com aquela palavra com
a qual Jesus inicia sua atividade pública: “convertei-vos”. Na realidade, trata-se de um novo modo
de olhar ou de conhecer, de um “conhecer mais além da aparência”.
Quê significa
“despertar”? Em quê sonhos estamos mergulhados? Como dar-nos conta de que
estamos “adormecidos”? Há algo que possamos fazer?... Todas estas questões são
evocadas pelo convite que aparece na boca da Jesus: “Estai sempre
despertos”.
A pessoa desperta é aquela que
experimentou intensamente a vida e, graças a isso, vive ancorada, enraizada e
conectada com a sua verdadeira identidade, ao seu eu original e universal.
Texto bíblico: Lc 21,25-28.34-36
Na oração: Quando foi Deus, para você, o Deus
inesperado?”
Em quê se
concretiza para você a promessa de Deus? Quê espera ou deseja de verdade? Qual
é a boa notícia na qual você acredita? Como vive você este Advento? Quê há, em
sua vida, de busca, sonho, aspiração, desejo... em sintonia com Deus?
Pe. Adroaldo Palaoro sj
Diretor do
Centro de Espiritualidade Inaciana -CEI
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